O jornalista gabrielense Lúcio Vaz está fazendo sucesso com mais um livro-denúncia, "Sanguessugas do Brasil", que está a venda em São Gabriel. A obra estará em exposição na Feira do Livro, que acontecerá de 7 a 9 de dezembro, na Praça Dr. Fernando Abbott. Sobre a obra, o autor conversou com a reportagem do blog Caderno7, sobre mais este best-seller que fala das maracutaias e falcatruas que ocorreram no Congresso Nacional, envolvendo políticos poderosos.
Uma pequena provocação: por que você acha importante publicar estas denúncias já veiculadas pela mídia nacional?
Pergunta oportuna. Em primeiro lugar, são reportagens de minha autoria. Os casos dos sanguessugas e da empresa Gautama, com repercussão nacional, foram revelados pelo Correio Braziliense com cinco e oito meses de antecedência em relação às operações da Polícia Federal. No caso do mensalão, relatei as reportagens que fiz sobre o tema, além de relembrar as primeiras matérias sobre episódio. As demais, são reportagens exclusivas. Mas por que voltar a esses temas? Avalio que o trabalho jornalístico é efêmero. O que é notícia hoje será esquecido nos próximos meses. Além do mais, o livro apresenta, passo a passo, a metodologia de apuração. É uma forma de transmitir informação aos novos colegas.
O fato de registrá-las em livro é uma forma de perenizá-las e fazer com que os escândalos não sejam apagados tão facilmente?
Exatamente. Entendo que é necessário relembrar esses casos, saber as suas conseqüências, averiguar se tiveram punição ou, pelo menos, julgamento. O livro mostra que, apesar de tantas acusações graves, até agora ninguém foi julgado.
Como você avalia a importância do jornalismo investigativo no Brasil e no mundo?
No Brasil, ganha cada vez mais destaque. Quando eu fazia matérias investigativas no Congresso há 20 anos, muitos diziam que eu era louco, que pretendia destruir a instituição. Poucos jornalistas faziam aquilo. Hoje, temos uma nova geração bem preparada que pratica muito o jornalismo investigativo. O Brasil tem sido destaque no Prêmio Latino Americano de Reportagem Investigativa, que reúne as melhoras reportagens das três Américas (excluindo os Estados Unidos e Canadá). No ano passado, o primeiro prêmio foi de um jornal do Paraná, o Gazeta do Povo. Neste ano, a Folha de S. Paulo levou o prêmio. Em 2007, eu conquistei o primeiro prêmio com matéria do Correio Braziliense. Isso mostra que não apenas nos grandes centros se pratica o jornalismo investigativo.
Parece que, cada vez mais, a Imprensa vem se tornando, realmente, o quarto poder. Concorda?
A imprensa tem o seu peso. Vários ministros da era Dilma caíram após denúncias de revistas e jornais. Mas dizer que é o quarto poder pode ser exagero. Acho que instituições como o Ministério Público e a Polícia Federal têm maior poder de fogo. São importantíssimas.
Dos 12 casos incluídos em seu livro, quais tiveram origem (a partir do zero) em seu trabalho investigativo?
Quantas lebres você levantou pelo rabo sozinho? É raro uma reportagem que parta do zero. O trabalho geralmente começa a partir de uma primeira informação, que chega de forma espontânea. Mas por que aquela fonte procurou você e não outro jornalista. Isso é consequência do seu trabalho, das suas realizações, da sua credibilidade. Então, uma dica se transforma em algo real, a partir da sua investigação.
Dos 12 casos relatados no seu livro, quais foram os que deram mais trabalho e de quais você mais se orgulha?
As reportagens mais trabalhosas foram sobre a indústria de celulose. Nesse caso, não se trata de corrupção, mas de uma exploração desenfreada dos nossos recursos naturais por empresas brasileiras e multinacionais. Percorri milhares de quilômetros do Uruguai à Bahia, entrevistei uma centena de fontes, visitei comunidades atingidas pelas plantações de eucaliptos e registrei os estragos causados ao meio ambiente. A mais importante foi sobre a máfia dos sanguessugas, que me rendeu os prêmios Barbosa Lima Sobrinho (Embratel) e o Latino Americano.
Você considera a sua profissão como sendo de risco? Como você lida com isso?
Risco sempre existe, como mostra o capítulo “Sanguessugas”. Mas é um risco calculado. Além disso, a nossa maior garantia é a publicação da matéria. Alguém que está sendo investigado pode até pensar em eliminar o repórter para que a matéria não seja publicada. Mas não fará isso após o fato de tornar público. Seria muito óbvio. Durante a apuração, mantemos certas regras de segurança. São segredos da profissão.
Quais são as suas motivações particulares para atuar como um repórter de campo, investigativo?
Aconteceu naturalmente. Eu cobria o Congresso no início dos anos 90, para a Folha de S.Paulo, e achava muito chatas aquelas histórias de articulações políticas, votações de plenário, entrevistas coletivas. Eu achava que a gente escrevia só para os políticos. Procurei fazer algo diferente, buscando informações nos Diários Oficiais, com servidores, deputados do baixo clero. Eu queria conhecer o outro lado daquela Casa estranha. E fui pegando o gosto.
Qual é o Brasil que você deseja, sonha?
Trabalho há 34 anos. Houve um tempo em que eu sonhava com democracia, liberdade de expressão, estado de direito. Avançamos muito, conquistamos quase tudo isso, mas surgiram novos desafios. A corrupção me preocupa muito, a anarquia partidária idem. Desejo um Brasil mais honesto, mas justo, mas generoso com o seu povo pobre.
A corrupção é uma hidra, uma serpente com sete cabeças. Corta-se uma, surgem duas, três, quatro... Quando você acha que isso vai ter fim?
Costumo dizer, em tom de brincadeira, que só há uma forma de acabar com a corrupção: acabando com o dinheiro. É um exagero, mas faz um certo sentido. Pessoas honestas, partidos decentes, esquecem seus princípios quando chegam ao poder. O Estado precisa se aparelhar melhor para combater os desvios de recursos. Tem avançado, mas ainda falta muito.
Existiria um sistema de gerenciamento das verbas públicas totalmente confiável?
Ou, pelo menos, mais confiável? Poderia dar algum exemplo em outros países? Temos gargalos no país. Um deles é o repasse de recursos para entidades “com” fins lucrativos sem a menor credibilidade. Outro problema é o atual sistema de financiamento de campanha, que gera uma relação promíscua entre empresas e políticos. Quem faz uma doação espera a recompensa mais adiante. O financiamento público também seria um problema, porque os atuais partidos são pouco confiáveis. Uma das saídas para a melhor fiscalização dos repasses do governo é a total transparência. Os dados teriam que estar disponíveis na internet para qualquer cidadão. Querem esconder o quê?
Fale sobre a morosidade da justiça brasileira e de como ela incentiva o crime. No Brasil o crime compensa?
O livro mostra que, em todos os casos citados, até agora ninguém foi julgado. Não podemos condenar ninguém sem julgamento, mas também é preciso que a Justiça julgue. Não falo apenas do Poder Judiciário, porque a falha também está nos nossos códigos de processos, que são condescendentes, permitem infinitos recursos protelatórios. E a sua alteração depende do Congresso. Por que será que os parlamentares não fazem esses ajustes? A impunidade é realmente o maior incentivo à prática de crimes.
Você conquistou grande credibilidade. Isso contribui para que as pessoas o procurem para denunciar falcatruas? Quantas denúncias você recebe por mês ou por ano?
Como disse, as fontes procuram os repórteres que trabalham com esses temas. Hoje, temos algumas dezenas deles. Eu continuo recebendo informações, mas hoje em menor número, justamente porque há mais repórteres investigativos no mercado, muitos deles excelentes. O veículo em que você está também é decisivo.
O que você diria aos novos jornalistas? Você acha que deveria haver uma cadeira sobre Jornalismo Investigativo nas faculdades? Conhece alguma universidade que leva este assunto a sério?
Várias faculdades têm essa cadeira. Hoje, os meninos saem da universidade com uma preparação muitas vezes melhor do que há 30 anos, quando me formei. Alguns, em um ou dois anos já se tornam competitivos nessa seara. Mas é preciso deixar claro que não é apenas o jornalismo investigativo que existe. Há outras opções, igualmente importantes.
Como você vê a formação dos jornalistas atualmente? A não exigência de diploma piorou ou melhorou o jornalismo?
Acho que o fim da exigência do diploma vai impactar a carreira a médio prazo. Não há dúvidas de que um jornalista formado tem melhores condições para exercer a profissão do que outro que não fez o curso. O Supremo decidiu abrir para todos. Precisamos respeitar isso, mas temo as consequências.
Quantos dias você já chegou a ficar fora de casa durante as suas apurações? Qual foi o maior tempo?
Nunca fiquei muito tempo continuamente, até porque seria perigoso. No caso da apuração sobre a indústria de celulose, fiquei um mês em campo, mas em três etapas. Mas, com os novos métodos de apuração, com a ajuda de computadores, acesso a bases de dados oficiais, há uma pré-apuração, feita na redação. Depois, há uma pós-apuração, para checar as informações colhidas, ouvir o chamado “outro lado”. Enfim, vem a edição. Somando todas as etapas aquela séria demandou quase três meses.
Fale sobre o distanciamento da família, da sua casa. Embora você esteja divorciado, o que significa ficar fora de casa tantos dias?
Eu fico muito concentrado no trabalho, começo às 6h e termino às 22h quase todos os dias. Eu também procuro conhecer cada lugar, entender a sua realidade. Mas dá tempo para ligar para casa.
Comente rapidamente os pequenos (e grandes) sacrifícios que você tem que fazer, como comer fora de hora, enfrentar centenas de quilômetros em estradas esburacadas, etc. etc.
Andar pelos sertões não me incomoda, pelo contrário. Eu como qualquer coisa, a qualquer hora. Só não me ofereçam sangue de carneiro coagulado outra vez. Isso aconteceu no sertão de Sergipe. Ideia do Marcelo Déda. As estradas esburacadas incomodam mais, até porque representam um grande risco, sem falar que acabam com a coluna da gente. Na verdade, eu adoro estar na estrada. Fico como pinto no lixo.
Por que você não utilizou fotos das reportagens em seu livro? Não ficaria ainda mais interessante?
O livro terá as fotos mais expressivas das reportagens.
Como você espera que o público receba o seu livro? Como você o “venderia” aos leitores?
Espero que o receba tão bem quando primeiro, “A Ética da Malandragem”. Aquele tinha como tema central o Congresso. Este fala da corrupção que assola o país. É um relato de um país roubado, explorado, sugado diariamente por toda sorte de aproveitadores. É também o relato de uma forma de fazer jornalismo, que integra a investigação própria com informações de órgãos de fiscalização e controle, sem esquecer o trabalho de campo, que muitas vezes nos leva aos mais distantes rincões desse imenso e fantástico país, com um povo que é muito melhor do que os seus governantes.
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