João Pedro Lemos
Colunista do blog
O Homero Rodrigues e o Sodré
“Um domingo de sol quente
Debochado e sem costeio
Antes das barras do poente
Na polperia me apeio
Retovo um verso gaúcho
Com rimas que achei na estrada
E encurto tempo e distância
Nesta milonga botada”
Todo o interior que se preze tem um bolicheiro de respeito. Pois no Azevedo Sodré tem mais do que um bolicheiro, tem o Homero da venda. Venda na campanha é bem diferente é uma mistura de bar, restaurante, ferragem em geral. Ainda pequeno, meu avô se dirigia à polperia (venda) perto das 10 da manhã, quando o serviço estava pouco e eu aguardava ansioso o retorno para tomar um Guaraná Brahma. Ainda quente, tomava o refrigerante, coisa rara na época e que sabor. A venda ficava a uma légua da Estância da Acácia, onde morava, cerca de 6 km, na mala de garupa à cavalo o guaraná custava a chegar e então, ficava mais gostoso.
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Homero Rodrigues, na sua juventude, junto com o Sadi |
Ficando mais velho, costumava ir esperar o meu avô na estação férrea a cavalo, ia em minha égua e levava o cavalo dele a cabresto. Após a chegada do trem, onde reunido com uma turma de guris, inclusive os filhos do Homero, o Magrão, o Gordo, o Zé Homero e outros como o Volmar, fazíamos a festa na estação, assuntos os mais diversos, namoro não podia faltar, eu ainda era pequeno demais meio bobo, mas já ia aprendendo. Após, era normal a chegada na venda, eu tomava o meu guaraná de sempre meu avô uma bem gelada, na época, claro ele pedia uma Brahma.
Ali as informações eram trocadas enquanto a Santa nos atendia e a Sueli (In memorian) perguntava por minha avó, meu tio e minha mãe. Por lá às vezes encontrávamos o velho Talico, seu Natálio (in memorian) o Amadeu Gomes e então falávamos de lavração a boi, plantio na bolcada e olha que eu guri muito fiz isso, lavrar a boi e plantar na bolcada largando de 3 em 3 grãos no Cercado, como são chamadas as pequenas lavouras no interior. Naquele horário, por vezes encontrávamos o Geldelci chegando da cidade também e nos contando fatos diferentes que aconteciam em sua propriedade. Algumas vezes, quando à bagagem era grande, eu o esperava de Aranha (um tipo de carroça com duas rodas grandes), pois meu avô aumentou a traseira para transporte de quitandas (queijo, manteiga, ovos, doces). Fazia horrores quando me dirigia à estação, levantava uma das rodas, fazia saltar areia para cima depois da ponte grande do Sodré, onde tinha um velho cemitério avistado de longe pela escultura de um anjo branco, próximo ao cerro. Às vezes tinha tanto buraco na ponte que tínhamos que apear do cavalo e levá-lo à cabresto para não correr risco de enfiar a pata e cair da ponte ou se quebrar, era uma ponte muito alta sob o Rio Cacequi.
A venda do Homero se tornava um ponto de encontro para informação, troca de produtos, além é claro de se tornar naturalmente um lugar especial onde amigos se encontravam assuntos não faltavam. Por vezes acompanhava meu tio que comprava os mais modernos lampiões a querosene da época o Aladim era um espetáculo.
O Homero sempre foi uma pessoa muito sábia, homem bom, de bom trato. Obtinha informações, já que todo mundo se encontrava por lá e a partir dessa rica fonte se tornava um ponto de referência e o conhecimento de sua pessoa ia longe, praticamente toda São Gabriel conhece o Homero Rodrigues. Era um aprendiz de verdade, aproveitava toda a informação e dali nos dava muitas lições, que ficaram para sempre. O vocábulo “Cosa” era muito proferido pelo Homero, uma de suas marcas. Sabia tudo de política, propostas e ajudava muita gente na hora da escolha. Nós, que desde crianças marcávamos presença na Venda do Homero, que hoje está em outro lugar, um pouco mais acima, sabemos de fato entender a importância desta na história no Azevedo Sodré. Quando encontro o Homero na rua vem à tona toda uma história de vida, incluindo de meus avôs. Às vezes encontro o Zé Homero (trabalha na Secretaria de Serviços Urbanos), esse às vezes meu tio o pegava para posar conosco na Acácia, lá brincávamos muito até ele chorar e dizer “que saudade de casa”, então meu tio o levava novamente para casa. O Zanuá também aparecia por lá, ia a cavalo posava por lá também, assim apareciam o Vanderlei, o Alfredinho, o Gilberto (in memorian) da família Domingues levando gado para banhar no banheiro da Acácia.
Gente que teve a oportunidade de ter uma infância e juventude saudável, que tem suas próprias histórias, mas que nunca, jamais esquecerão do Homero Rodrigues, o Homero da Venda. Há! Ia esquecendo que velhos andarilhos como o Roxinho, gameleiros e o Coleira também passaram pela venda para deixar e contar histórias, tá louco. O Roxinho tocava uma gaita de boca como ninguém. Velhas histórias do Azevedo Sodré, o lugar onde nasci e cresci, minha terra amada, a terra da Acácia. Também são filhos do Homero a Minda, a Lena e o Devanir. Há mais de 50 anos trabalha no comércio, mas já plantou arroz e outras atividades.
Finalizando, “eu sou responsável pelo que eu falo, não pelo que você entende”.
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