Alexandre Cruz
Colunista do blog
Foto de uma criança síria, de três anos desnuda a política de imigração européia
A instantaneidade da informação em tempos modernos muitas vezes nos atropela no jornalismo. Na quarta-feira, estava pronto o meu artigo para minha coluna política, quando me deparei com a(uma) foto de uma criança síria, de três anos, falecida no mar da Turquia. Como não impactar? Que clima se tem em publicar outro tema importante da nossa realidade local, gaúcha, diante de um tema humanitário que nos cala fundo como humanos, que nos mostra o quão desumanizado estamos?
A Europa está vivendo o maior fluxo migratório desde a II Guerra Mundial e a tragédia tem dimensões astronômicas. Segundo a Organização Internacional para Migração (OIM) são 2.643 pessoas que buscavam chegar a Europa, mas que perderam as suas vidas. Acredito que seja muito mais, e nessa tragédia, 30% são crianças. Me vem à cabeça, que em 1950, o escritor e político Aimé Césaire, de Martinica, escreveu sobre o colonialismo: “O fato de que a civilização chamada européia, a civilização ocidental, moldada por dois séculos de regime burguês é incapaz de resolver dois problemas que a sua existência originou: o problema do proletariado e o problema colonial; que esta Europa, que seja o tribunal da razão ou tribunal da consciência, é impotente para justificar; cada vez mais se refugia em uma hipocrisia tão odiosa”. Em 2015, podemos refletir trocando simplesmente proletariado por desigualdade e problema colonial pela questão de imigração. Foram necessários 176 ataques violentos a centros de refugiados para que Angela Merkel reagisse: “Não há tolerância para aqueles que questionam a dignidade dos outros, não há tolerância para aqueles que não estão dispostos a ajudar, quando a ajuda legal e humana requer.” Se passou muitos anos demonizando os ilegais de mão dadas com a compreensão e a xenofobia antes que chegasse a essas palavras.
Agora se chama os imigrantes de refugiados porque o motivo desesperado dos seus esforços para chegar a Europa não é a busca de trabalho e sim de fugir da perseguição e da guerra. A Europa não sabe o que fazer com os imigrantes ilegais. O populismo de direita despeja o discurso de temor e de ressentimento, e decisões que agravam os problemas, como a cruel iniciativa do PP em rejeitar assistência de saúde para os ilegais. É o triunfo do discurso reacionário e autoritário: transformar a legalidade em uma barreira que fique por cima da dignidade humana.
Todo o sistema de governo se legitima pelo princípio que inspiram e pela capacidade de resolver os problemas políticos, econômicos e sociais com razoável eficiência. A resolução dos problemas da imigração econômica – fundamental para um continente envelhecido – se confiou na dinâmica do mercado.
A onda de refugiados que fogem das guerras e conflitos podem determinar a mudança dos termos do debate em colocar a questão do princípio do sistema em primeiro plano. A defesa da dignidade das pessoas e a proteção daqueles que sofrem perseguição por suas idéias ou por sua condição é irrenunciável se acreditamos que a democracia é algo mais do que normas que correspondem às responsabilidades de governo. A questão econômica, os interesses que mandam, há justificados abusos cometidos contra os imigrantes. Agora, nesse momento, não há excusa. Não há álibi. A Europa aparece incapaz de enfrentar uma crise de refugiados como se tivesse, de certo modo, presa em uma vingança pós-colonial.
A Europa deve optar entre a resignada condição de balneário do mundo ou uma renovada e ambiciosa cultura de potência, fundada no diálogo e no respeito. Faz tempo que a hegemonia econômica secou a política européia. Se os dirigentes europeus não foram capazes de resolver um problema menor como a Grécia, como irá conseguir solucionar uma questão de grande calado que é a crise dos refugiados? Essa crise é a expressão de desorientação e desconcerto de uma Europa que exibe uma impotência de uma terra gasta.