Colunista do blog
Houve um tempo em que se dizia que as pessoas cometiam crime graças a seu estado de necessidade, ou seja, para matar a sua fome ou a de outrem. Depois, as pessoas colocavam a culpa na “falta de instrução”. Mas no mundo virtual e globalizado de hoje, não há razão para que exista falta de instrução, os menos instruídos estão conectados e os mais instruídos estão mais conectados ainda com o mundo em que vivem.
Diante disso, inexplicável a atitude de um profissional da psicanálise ocorrida num cinema de um shopping de Brasília. A vítima é a atendente de cinema Marina Serafim dos Reis, 25 anos. De pele negra, ela trabalhava na bilheteria quando o homem de aproximadamente 40 anos começou a confusão na fila para compra dos tíquetes.
Ele teria chegado atrasado à sessão e queria passar na frente dos demais. Os insultos começaram quando a funcionária disse que ele teria de esperar. “Ele disse que meu lugar não era ali, lidando com gente. Falou que eu deveria estar na África, cuidando de orangotangos ”. Indignados, clientes e funcionários acionaram a segurança, mas o homem conseguiu fugir.
Em reportagem do Jornal do SBT, descobriu-se que o mesmo homem teria um caso semelhante no ano de 2002. Lamentável é que o caso em tela, trata-se de injúria racial, crime prescritível e que permite o pagamento de fiança por parte do acusado. Mais lamentável é que um profissional que cuida do intelecto das pessoas, tenha atitudes como essas, dignas de quem não podem ser chamado de ser humano.
Infelizmente trata-se de fato corriqueiro na sociedade e na alta sociedade. Algumas pessoas não querem admitir, tentam esconder, mas o preconceito de toda a ordem existe.
Espero que essa menina não se cale, visto fatos semelhantes aconteceram e acontecem no futebol, e os atletas, pessoas públicas, de imagem respeitada, não usaram seus nomes e prestígios para levantar a bandeira da luta contra o preconceito racial. Vide Roberto Carlos, Grafite e, agora, Neymar, todos vítimas que nada fizeram e se calaram. Quem cala, consente.
A imprensa, de forma geral, trata todo tipo de delito envolvendo ofensa racial, como racismo, mas não é.
O tema é de suma importância social e já foi abordado em palestra que proferimos aos alunos da escola Celestino Cavalheiro, transcrevemos abaixo, a diferenciação entre INJÚRIA QUALIFICADA (RACIAL) e RACISMO:
DO RACISMO
Primeiramente estuda-se o crime previsto no art. 20 da Lei 7.716/1989:
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de
raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº
9.459, de 15/05/97)
Pena: reclusão de um a três anos e multa.
Antes de qualquer
distinção acerca do presente delito com aquele que dispõe o art. 140, §3°,
importante frisar que o delito em comento é inafiançável e imprescritível,
conforme nossa Carta Magna:
Art. 5°
(...)
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e
imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
O crime de racismo
recebeu um tratamento rigoroso do legislador quando de seu cometimento, tendo
em vista as benesses que tal delito furtou-se em beneficiar ao seu autor.
Assim, passa-se a
estudar a conduta que o agente necessita para caracterizar o crime de racismo,
que nada mais é do que induzimento ou incitação a discriminação ou preconceito
por motivo de cor, raça, etnia, religião ou procedência nacional.
Desta forma,
pode-se notar que a caracterização do racismo reside no objetivo de ultrajar
uma raça como um todo, seja uma comunidade negra, ou aos adeptos de uma
religião em geral, como os judeus ou os católicos, etc.
Exemplificando tal
explicação, tem-se que “A” em entrevista a uma rádio local faz o uso das
seguintes palavras “todo negro é macaco”, denota-se que o bem jurídico ofendido
seria a igualdade e o respeito entre as etnias, da qual percebe-se claramente
que conduta do agente nesse caso foi o preconceito de forma abrangente da raça
afro descendente restando na implicação do que dispõe o crime de racismo.
Portanto
conclui-se que para atingir o bem jurídico tutelado no art. 20 da Lei
7.716/1989 é preciso que a conduta do agente em sua discriminação ou
preconceito raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional seja de forma
abrangente comportando um todo.
Ainda, para
maior elucidação do tipo penal incriminador em comento, tem-se que é movido por
meio de ação penal pública incondicionada, o elemento subjetivo é o Dolo
(vontade direcionada a um fim) de praticar, induzir ou incitar a discriminação
ou o preconceito.
INJÚRIA QUALIFICADA
Com o advento da
Lei 9.459/1997, acrescentou-se uma qualificadora ao artigo 140 do Código Penal,
estabelecendo o §3°, consistente na utilização de elementos referentes a raça,
cor, etnia, religião ou origem, e mais tarde com o advento da Lei 10.741/2003
(Estatuto do Idoso) inseriu-se a referência a pessoa idosa ou portadora de
deficiência e assim foi criado o tipo penal da “injúria qualificada”:
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
(...)
§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça,
cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de
deficiência:
Pena - reclusão de um a três anos e multa.
Para o presente
artigo, que busca diferenciar o crime de racismo com o da injúria qualificada,
oportuno de antemão assentar que o agente que responde por injúria na forma
qualificada pode-se valer dos institutos da prescrição e fiança ao passo (como
já abordado no tópico anterior) que o mesmo não ocorre com aquele contra o qual
é imputada a prática de racismo.
A conduta exigida para o cometimento do crime de injúria qualificada é
o animus injuriandi, consistente na vontade de ofender a honra
subjetiva de outra pessoa. Neste caso, o agente profere palavras de cunho
racista somente direcionadas a vítima. Exemplificando tal conduta, tem-se que “A” com o animus
injuriandi de ofender a honra subjetiva de “B”, xinga-o de “preto
safado”, ai tem-se o crime de injúria qualificada, tendo em vista o desejo (de
“A”) maculador de proferir impropérios a imagem deu-se tão somente a “B” e não
a toda comunidade negra.
Portanto,
percebe-se que a vontade do agente quando trata-se de injúria qualificada é de
ofender a honra subjetiva exclusiva da vítima e não uma raça ou etnia como um
todo, que é o caso de racismo.
QUADRO SINTÉTICO-COMPARATIVO:
Abaixo segue
quadro comparativo dos dois tipos incriminadores:
Aspectos
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Racismo
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Injúria Qualificada
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Dispositivo Legal
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Art. 20 da Lei nº 7.716/89
|
Art. 140, § 3º, do CPB
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Objeto Jurídico
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Dignidade da pessoa humana, igualdade
substancial, proibição de comportamento degradante, não-segregação.
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Honra subjetiva e a imagem da pessoa.
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Tipo Objetivo
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Praticar (levar a efeito, realizar), induzir
(persuadir, convencer) e incitar (estimular, incentivar, instigar) a
discriminação ou o preconceito.
|
Injuriar, ofender a dignidade ou o decoro,
utilizando elementos referentes à raça, cor, religião, origem, ou condição de
pessoa idosa ou portadora de deficiência.
|
Tipo Subjetivo
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Dolo (vontade direcionada a um fim) de praticar,
induzir ou incitar a discriminação ou o preconceito.
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Dolo específico de macular a honra subjetiva de
alguém.
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Consumação e tentativa
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Por ser de mera conduta, o crime se consuma com a
prática das elementares do tipo, não se exige, nem se prevê resultado
naturalístico e não se admite a forma tentada.
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Consuma-se quando a ofensa chega ao conhecimento
da vítima, sem a necessidade do resultado naturalístico (crime formal).
Admite tentativa se o crime for plurissubsistente.
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Ação Penal
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Pública incondicionada.
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Pública Condicionada
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Prescritibilidade e afiançabilidade
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Imprescritível e inafiançável - art. 5º,
inciso XLII, da Constituição Federal de 1988.
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Prescritível e afiançável.
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Qualquer
ato de preconceito, seja racial ou não, é nojento e merece ser repreendido e
levado à conhecimento das autoridades competentes.
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